Nascido em Botucatu, em 2 de dezembro de 1934, Clóvis Chiaradia era filho de Thereza Gonçalves da Cunha e de Orlando Chiaradia, este descendente de imigrantes italianos. Em 1940, ainda menino, mudou-se com a família para Ourinhos, onde seu pai e o tio, Silvano Chiaradia, fundaram a Indústria Gráfica Chiaradia. A perda precoce do pai, em 1946, o levou de volta a Botucatu, onde iniciou os estudos como interno no Seminário Menor Diocesano. Posteriormente, concluiu o ensino ginasial na capital paulista, no Colégio Estadual Presidente Roosevelt.
Na efervescente São Paulo dos anos 50, trabalhou como revisor na Folha de São Paulo, onde conviveu de perto com as palavras — talvez uma semente silenciosa do amor que mais tarde germinaria pela linguagem indígena. Chegou a iniciar o curso de Geologia na Universidade de São Paulo, mas sua trajetória tomaria novos rumos. Em 1959, mudou-se para Curitiba e ingressou no curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Lá também começou a estudar alemão no Goethe-Institut, onde conheceu sua companheira de vida, Heid Litzinger, estudante de História Natural. Casaram-se em 1965, em Castro, e estabeleceram residência em Ourinhos, cidade onde construíram sua família e criaram três filhos.
Como médico, Clóvis dedicou mais de cinco décadas à escuta atenta e ao cuidado com o outro, exercendo sua profissão até se aposentar, em 2017. Também foi um homem público comprometido: atuou como vice-prefeito (1983–1988), prefeito de Ourinhos (1989–1992) e novamente vice-prefeito em 1996. Sua gestão foi marcada por projetos sociais de impacto, como a construção de casas populares, a criação da Secretaria da Educação e a oficialização do Hino Municipal.
Mas foi no silêncio da pesquisa, longe dos holofotes, que Clóvis cultivou uma de suas mais profundas missões:
reaproximar-se de suas raízes e da história do território em que vivia. A partir da década de 1970, iniciou uma longa e minuciosa investigação sobre as palavras de origem indígena, especialmente do tronco Tupi-Guarani, predominante no interior paulista e em grande parte do Brasil. Essa jornada de escuta e resgate culminou, em 2008, na publicação do Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena, com mais de 30 mil verbetes que revelam a riqueza da fauna, da flora, dos rios, das cidades e das paisagens nomeadas por saberes ancestrais.
A obra foi lançada com destaque na Bienal do Livro de São Paulo e também em Ourinhos, em solenidade da Câmara Municipal, ocasião em que Clóvis recebeu o título de Cidadão Ourinhense — uma homenagem simbólica a quem tanto se dedicou a honrar a terra que o acolheu.
Clóvis Chiaradia faleceu em Bauru, em 14 de agosto de 2021, aos 86 anos. Sua trajetória permanece viva não apenas na memória de quem o conheceu, mas nas palavras que ele ajudou a preservar — pontes entre passado e presente, raízes que ainda falam conosco.
LEGADO
Mais do que um dicionário, sua obra nos deixou um chamado: o de seguir escutando, pesquisando e valorizando a sabedoria dos povos originários. Seu trabalho semeou o desejo de continuidade — de estreitar os laços com as etnias que ainda hoje mantêm viva a língua do tronco Tupi-Guarani e Macro Gê especialmente aquelas mais próximas da região sudeste e do interior paulista.
Com esse espírito nasceu o projeto Peabiru Caminhos, um site dedicado a ser canal de conexão entre o público não indígena — especialmente aquele que busca reencontrar sua ancestralidade — e os povos indígenas que vivem hoje em suas comunidades e territórios. A proposta é ampliar o conhecimento sobre as línguas indígenas em sua diversidade, fortalecer vínculos e criar pontes entre os “parentes” urbanos e os que permanecem diretamente ligados à terra e à tradição. A fim de fortalecer a causa de enfrentamento ao apagamento da cultura e o Direito social, histórico e político de permanecer em seus territórios de origem.